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Entrevista com o crítico musical Carlos Calado: Música Popular Brasileira, Jazz, Black Music e um desnude da mídia impressa.


Queridos amigos e visitantes do blog Farofa Moderna, até a dois anos atrás eu nunca poderia imaginar que este espaço não-remunerativo pudesse se apresentar como um canal alternativo sinônimo de informação para apreciadores de jazz, música instrumental brasileira e outros tipos de música de qualidade -- tampouco imaginei que, através dele, um dia receberia a possibilidade de entrevistar grandes músicos e profissionais da mídia, nacionais e estrangeiros. Para quem quiser ler nossas entrevistas, basta acessar a página ENTREVISTAS no topo do blog, onde vocês constatarão que já realizamos entrevistas com grandes músicos e jornalistas, tais como o trompetista Christian Scott, o contrabaixista Christian McBride, a cantora Ithamara Koorax, o saxofonista Ken Vandermark e o jornalista Roberto Muggiati e o guitarrista Michel Leme. E agora, trago-vos uma entrevista com o jornalista-crítico-musical Carlos Calado neste mês de setembro.

Tem me sido muito gratificante ter um espaço como este blog, onde, além de constatar uma média de 400 a 500 visitantes diários de vários países, tenho o prazer de constatar, também, que meus textos são lidos por verdadeiros apreciadores (iniciantes e veteranos) e diletantes músicos e jornalistas brasileiros -- com alguns dos quais, diga-se de passagem, mantenho contato e/ou amizade com ótimos diálogos e aprendizados --, pessoas que encaram a música como uma arte necessária para a vida e, mais ainda, como uma arte suprema dentro do rol das sete artes, embora o pobrismo do nosso cenário brasileiro, encabeçado pela ostentação comercial da grande mídia, pouco nos ajude a elevar essa arte ao patamar de sofisticação que ela merece, o que também nos rebaixa em relação a outros países onde a arte, como um todo, é uma das prioridades. Um reclame constante em meus ensaios neste blog é, justamente, contra o pobrismo cultural encrustado na nossa mídia, algo que, em termos de música, chega a beirar ao preconceito e à segregação -- ou seja, se já tivemos uma ditadura política, agora parece ser o momento de questionarmos se não vivemos uma ditadura midiática onde discursos de defesa à democracia e liberdade de imprensa são apenas um disfarce por cima da manipulação: como a maioria da população é desprovida de educação e cultura, o contingente de pessoas que são capazes de reclamar por uma mídia mais sofisticada em termos culturais e artísticos é muito pequeno, o que faz com que essa mídia tenha poderes para escantear verdadeiros artistas e nos enfiar, goela abaixo, aquilo que ela dita como modinha e espetáculo. Sim, claro, o governo tem sua parcela de culpa: se ele investisse mais em educação e no incentivo à cultura -- algo que ele faz, mas não o faz suficientemente, além de ser combalido por corruptos que enriquecem às custas desse investimento --, teríamos um número maior de verdadeiros artistas sendo valorizados e um número maior de pessoas reclamando por um cenário artístico mais rico e sofisticado. Mas convenhamos que, se por um lado devem existir políticas públicas de incentivo à cultura, nunca foi papel do governo financiar ou promover a carreira de nenhum artista -- as vezes que o governo o fez foi, tendenciosamente, para promover a si mesmo. O artista tem que se valer do seu próprio talento, esforço e trânsito no circuito artístico afim de que, em algum momento da sua carreira, ele venha a ser reconhecido: e seria a mídia (jornais, canais de TV e rádio, mercado editorial e, agora, a internet), enfim, a grande responsável por mostrar ao público as novidades que os novos e verdadeiros artistas estão empreendendo; ela é, ou deveria ser, a grande responsável por reconhecer valor aos verdadeiros artistas e apresentar ao público um cenário diversificado onde a sofisticação da arte fosse o termo principal -- é aí onde entra o papel dos jornalistas, dos críticos, dos editores e, em certa medida, da mídia independente via blogueiros mais sérios.


Foi pensando em tudo isso que me deparei com a necessidade de, eventualmente, realizar uma entrevista com um grande profissional que tivesse a liberdade de nos testemunhar todo o descaso em relação à música de qualidade -- principalmente em relação ao jazz, à MPB e à música instrumental brasileira -- que ocorre nos bastidores da mídia brasileira. E para minha surpresa, o cara que encontrei para realizar uma entrevista deste porte foi ninguém menos que o jornalista Carlos Calado, um dos grandes pioneiros da crítica musical relacionada ao jazz e à MPB nas últimas décadas: em recentes diálogos, tivemos o prazer de compartilhar idéias, satisfações e indignações -- e nesses diálogos, o meu maior prazer foi aprender de alguém que é veterano na arte de escrever sobre música! Nesta entrevista, que está num formato mais de um bate papo do que formalmente uma entrevista metódica, Carlos Calado discorre sobre o que acredita e sobre o que já presenciou em três diferentes campos da música: MPB (música popular brasileira), jazz e black music, temas que ele aborda com propriedade tanto em grandes holofotes midiáticos, como os jornais Folha de São Paulo e Valor Econômico, como em seu blog pessoal chamado Música de Alma Negra (um dos blogs que indico aqui em nossa lista de sites); nesta entrevista, enfim, ele fala da sua própria visão crítica, das suas experiências como correspondente cultural em grandes festivais, fala dos descasos que presencia nos bastidores da mídia e do mercado editorial em relação à música de qualidade e da sua esperança de que um dia esse cenário mude completamente para melhor. E ainda no final há uma breve enquete onde o jornalista lista suas preferencias musicais. Leiam!


1 - Como foi seu envolvimento com o jazz e quais músicos – ou situações – mais te impactaram durante essas três décadas em que vem atuando em shows, entrevistas, festivais e curadorias?

Miles Davis, 1974
Carlos Calado - Na adolescência, eu costumava passar as tardes com um grupo de amigos, escutando música. Ouvíamos muito rock, pop, soul, funk, blues e música brasileira. Descobri o jazz um pouco mais tarde, já por volta dos 16 ou 17 anos. Na década de 70, o crítico do “Jornal da Tarde”, Armando Aflalo, produzia um programa muito legal para a rádio Eldorado, o “Noites de Jazz”, do qual virei fã. Lembro-me de ter acompanhado uma série que o Aflalo fez sobre a história do jazz, recheada de gravações importantes e relativamente raras, que abriu as portas de um novo universo musical para mim.

Mas a experiência que me converteu de vez ao jazz foi o show do Miles Davis, em 1974, aqui em São Paulo. Ele estava no auge daquela fase eletrificada e meio free. O volume de som era tão alto que assustou, ou até irritou, os fãs mais velhos. Vi muitos quarentões e cinquentões saindo no meio do concerto. Já a garotada ficou tão enlouquecida que começou a subir nas cadeiras de veludo do Teatro Municipal. Graças àquela noite, os shows de música popular ficaram proibidos no Municipal paulistano durante anos. No dia seguinte ao show, eu já estava vasculhando as lojas de discos à procura de tudo que pudesse encontrar do Miles e de seus parceiros. Assim fui conhecendo John Coltrane, Wayne Shorter, Herbie Hancock, Ron Carter, Keith Jarrett, Chick Corea, Dave Holland e muitos outros. 

 Não é fácil destacar dois ou três shows e festivais que me impactaram, nesses anos todos. Claro que o primeiro festival de jazz a gente nunca esquece: no meu caso foi o pioneiro Festival Internacional de Jazz de São Paulo, no Palácio de Convenções do Anhembi, em 1978, realizado em parceria com o suíço Montreux Jazz Festival. Foi uma festa. Durante oito dias, numa época em que os shows de artistas estrangeiros ainda era bem raros por aqui, tomamos um banho de jazz, blues e música instrumental brasileira, com Dizzy Gillespie, Al Jarreau, Larry Coryell & Philip Catherine, Ahmad Jamal, Stan Getz, Chick Corea, John McLaughlin, Hermeto Pascoal, Victor Assis Brasil, Luiz Eça, Paulo Moura, Nelson Ayres, Etta James, Taj Mahal, até o argentino Astor Piazzolla, entre outros. Aliás, esse festival foi transmitido ao vivo, pela TV Cultura, que ainda possui trechos preciosos dessa cobertura em seu arquivo.

Eu também destacaria o próprio Montreux Jazz Festival, que tive o privilégio de cobrir seis vezes, durante a década de 1990, para a “Folha de S. Paulo”. A cobertura era uma verdadeira maratona, com 16 dias de festival. Os shows principais começavam por volta das 19h e avançavam pelas madrugada, sem falar nas entrevistas e os shows ao ar livre, que aconteciam à tarde. Ali puder ver e ouvir quase tudo de bom que passou pelas cenas do jazz e da black music naquela década: de Quincy Jones a B.B. King, de Elvin Jones a Al Green, de Charlie Haden a Guru, de McCoy Tyner ao Incognito, de Cassandra Wilson a Tania Maria. Pena que já ao final da década de 90, a qualidade da programação tenha começado a ficar comprometida, acompanhando a decadência do mercado fonográfico.

2 - Quais as diferenças entre ser um jornalista especializado em música nas décadas passadas e ser um jornalista especializado em música no início do século 21? Se existe um cenário pujante de música instrumental hoje em dia, com inúmeros shows e festivais de jazz e de música instrumental brasileira acontecendo mês a mês, por que os jornais brasileiros desdenham esta arte musical? Aliás, sem desconsiderar seu diletante trabalho, percebo que a maioria dos grandes jornais abordam até mais a música erudita clássica – um destaque para a programação da OSESP com a orquestra tocando Beethoven pela enésima vez, só pra dar um exemplo ilustrativo –, do que o jazz contemporâneo e a nossa rica música instrumental. É tão difícil assim, pra um jornal dedicar um espaço regular para noticiar as novidades que os grandes músicos e compositores brasileiros e estrangeiros estão empreendendo?

CC – Ingressei no jornalismo musical em 1985, como colaborador da ótima revista “SomTrês”, que era editada por Mauricio Kubrusly e Otavio Rodrigues. Um ano depois comecei a escrever para a “Folha de S. Paulo”, como crítico de música. A internet ainda não era uma ferramenta com a qual podíamos contar, naquela época, portanto o acesso às novidades do jazz era bem mais difícil. Muitos discos nem chegavam ao mercado brasileiro, mesmo em edições importadas. E quando eram lançados aqui havia um considerável atraso. Por outro lado, o rádio da época ainda era melhor e mais eclético do que o de hoje. Programas especializados supriam parte da curiosidade de quem não se contentava em ouvir apenas as obviedades das paradas de sucessos.

  Você flagrou bem um paradoxo que existe na cobertura feita pela imprensa de nosso país. Nos últimos anos, o mercado musical brasileiro tem oferecido um número muito maior de shows e festivais do que havia na década de 80, mas o espaço para a música nos jornais e revistas, especialmente o espaço para o jazz e a música instrumental brasileira, é bem menor do que já foi. Quer um exemplo? Em 1989, eu era repórter da “Ilustrada”, o caderno cultural da “Folha”. No dia da estreia da quinta edição do Free Jazz Festival, que trouxe Cecil Taylor, Max Roach, Horace Silver, George Benson e John Lee Hooker, entre outras atrações, publicamos um caderno especial de oito páginas sobre o evento, com reportagens, análises, gráficos explicativos e resenhas de livros e discos de jazz que estavam sendo lançados. Ou melhor, dedicamos a esse evento musical praticamente o mesmo espaço que os cadernos culturais brasileiros dedicam hoje a todas as áreas da cultura e do entretenimento, numa de suas edições diárias.

  Não posso falar pelos editores dos cadernos culturais de hoje, mas é compreensível que, com a redução da circulação dos jornais, em grande parte provocada pela expansão da internet, o espaço editorial também diminuiu. Por outro lado, acho que desde a década de 90 houve um rebaixamento do gosto musical em nossa imprensa. Seja por falta de cultura e formação musical de muitos jornalistas que assumiram postos nas redações, ou até pela ânsia de tentar conquistar os leitores mais jovens, o fato é que o rock e o pop tornaram-se quase hegemônicos na imprensa brasileira – algo que limitou e empobreceu bastante a cobertura musical, nos últimos anos. Aliás, tenho vontade de rir quando vejo um colega se apresentar como “crítico de rock alternativo” ou “jornalista de cultura pop”. Acho isso um índice de miséria cultural, na imprensa da última década.

   Outro aspecto lamentável: já vi colegas torcerem o nariz, revelando preconceito e ignorância, ao ouvirem uma sugestão de pauta que envolvia música instrumental brasileira. Ironicamente, duas décadas atrás, cheguei a cobrir, em Nova York, eventos como um grande concerto com artistas do selo instrumental Som da Gente. Ou o lançamento, pela Warner norte-americana, de um álbum do violonista André Geraissati. É incrível como, alguns anos depois, essa vertente da música brasileira, que é tão admirada internacionalmente, passou a ser esnobada nas redações dos jornais e revistas de nosso país. 

3 - Falando especificamente do papel do jornalista enquanto crítico, vê-se que nos EUA e na Europa ainda há aquele tipo de crítico que realiza uma faceta de não apenas levar as várias formas de arte ao conhecimento do público, mas, de fato, realizam um trabalho de criticá-las qualitativamente na intenção de que as colunas sejam um espaço representativo do bom gosto, requinte, primor artístico. No Brasil, principalmente no que concerne à música, parece que esse tipo de crítica desapareceu – ou, para ser o mais otimista possível, ficou restrita em um ou dois jornalistas que realmente se comportam como críticos. Na sua visão, qual é o papel do crítico diante deste momento de globalização, cultura pop e mercado fonográfico refém da internet e tecnologia digital? Um crítico musical precisa entender de música para ser bom no que faz?

CC – Concordo com você. Diferentemente do que ainda se observa em grandes jornais norte-americanos e europeus, quase tudo indica que a crítica musical é uma modalidade jornalística ameaçada de extinção no Brasil. Como é possível analisar com a devida atenção um disco, um show, ou mesmo um filme, em um espaço tão reduzido como o que é dedicado hoje à crítica em nossos jornais? Não é à toa que eles aderiram ao clichê da “avaliação”. Ou seja, a música passou a se avaliada como se faz com um hotel ou um restaurante. Abandonar a discussão de ideias, substituindo a análise de uma obra de arte por uma mera “cotação”, como bom ou ruim, pode levar, rapidamente, à extinção do exercício da crítica.

   Sempre que me perguntam sobre o papel do crítico, me lembro de um antigo texto do poeta e crítico norte-americano T.S. Eliot. Segundo ele, o crítico que desempenha sua função com seriedade deve evitar os juízos de valor, jamais deve decretar que uma obra é boa ou ruim. Ou seja, precisa evitar os preconceitos estéticos. Se o crítico respeita a inteligência de seu leitor, deve simplesmente analisar a obra, deixando que o leitor faça o julgamento de acordo com suas próprias referências e gosto pessoal. Acho que essa atitude é a mais correta.

   Muitas das supostas críticas que de vez em quando aparecem em nossos jornais e revistas não passam de meras expressões do gosto pessoal do jornalista, não são críticas, realmente. Aliás, tornou-se comum dedicar mais espaço à descrição das roupas, dos cabelos e coreografias dos cantores dos que à música, propriamente. Acho fundamental que o crítico conheça a fundo não só a história do gênero sobre o qual escreve, mas que também tenha dedicado pelo menos alguns anos à audição das obras e gravações mais importantes desse gênero. Não digo que para exercer essa função o jornalista precise, necessariamente, ter aprendido a tocar um instrumento. Porém, é fundamental possuir noções gerais de história da música, além de muitas horas de audição mais atenta.

4- Vamos falar do mercado editorial em si. Através da sua vivência e sua análise, qual o futuro da mídia impressa diante do fato de que a inclusão digital está levando as pessoas a comprar menos jornais e revistas? Em que a internet ajuda e no que ela atrapalha?

CC – Sinceramente, ainda encaro essa questão com certa perplexidade. Não arrisco previsões. Só tenho a vaga impressão de que a imprensa escrita não vai acabar tão cedo como anunciaram os mais apressados. Quanto à nossa área, especificamente, penso que a internet ainda precisa se profissionalizar. A única experiência gratificante que tive até hoje, na web, além do meu blog, foi o período (de 2000 a 2001) em que trabalhei como repórter especial do site CliqueMusic, com uma ótima equipe de jornalistas conduzida pelo grande Tárik de Souza, um dos meus mestres na crítica musical e editor de meus livros sobre os Mutantes e a Tropicália. Pena que os investidores desse site imaginaram que o retorno seria rápido. Só bancaram essa equipe durante um ano.

  Para qualquer jornalista especializado em música, a internet é uma preciosa ferramenta de trabalho e pesquisa. Porém, para cada site ou blog como o Farofa Moderna, que é feito com seriedade e paixão pela música, há centenas de outros criados por oportunistas que simplesmente copiam os textos dos outros, com a maior cara de pau. Sem falar no verdadeiro pântano de bobagens, narcisismo e exibições de ódio que se vê hoje em qualquer discussão aberta na internet. Será que isso vai mudar com o tempo?

5 - Você escreveu um livro, “Tropicália: A História de uma Revolução Musical”, onde analisa o movimento da Tropicália. Podemos dizer que o tropicalismo foi uma ruptura com a geração anterior, um protesto em relação à elite de artistas boêmios da bossa nova e seus limites, que basicamente se situavam entre jazz e samba? Pelo seu horizonte de pesquisa, o que o tropicalismo representa dentro da nossa história?


CC - Sim, a Tropicália criticou a acomodação da bossa nova e, mais ainda, rejeitou a hegemonia das canções politizadas na cena da música popular brasileira, em meados dos anos 1960. De certo modo, o Tropicalismo também representou a afirmação de uma nova geração de compositores, intérpretes e arranjadores (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Mutantes, Gal Costa, Torquato Neto, Capinan, Rogério Duprat). Influenciados pela música pop e pela música de vanguarda contemporânea, esses artistas decidiram enfrentar o nacionalismo exacerbado e a xenofobia que haviam se instalado no ambiente cultural do país, naquele momento.

  Para um jovem de hoje, acostumado à diversidade musical que se ouve por aí, deve ser difícil de acreditar que, por exemplo, um grupo de músicos e intelectuais tenha participado de uma manifestação pública, pelas ruas do centro São Paulo, em 1967, contra a “invasão” da música norte-americana. Esse foi apenas um dos absurdos da maniqueísta conjuntura cultural e política daquela época, que, aliás, também resultou na prisão e nos anos de exílio impostos pela ditadura militar a Caetano e Gil, que jamais foram militantes, nem tinham ligações com partidos ou organizações políticas.

  Diferentemente da bossa nova, que introduziu uma nova e moderna forma de interpretar o samba, a Tropicália resgatou gêneros musicais, como o baião, a marcha ou o bolero, que foram desprezados durante a hegemonia da bossa e das canções de protesto. Essencial também foi a aproximação do Tropicalismo com a música pop e o rock, que naquele momento eram índices contemporâneos de modernidade. Na verdade, a intervenção dos tropicalistas teve um caráter bastante crítico, antes de tudo. A Tropicália não pretendia implantar uma nova forma musical, como fizeram os bossa-novistas, mas sim uma nova atitude, uma maneira mais democrática de encarar a diversidade da música brasileira.

6 - Sabemos que, do final dos anos 60 a meados dos anos 80, tivemos dois grandes movimentos musicais: num âmbito nacional surgiu a Tropicália e, aqui em São Paulo – num circuito mais local e alternativo --, surgiu a Vanguarda Paulista, dois movimentos muito inovadores para a música popular brasileira no âmbito da canção. E nas últimas décadas? O que, de fato, aconteceu de novo na MPB nos anos 90 e 2000? Por que temos aquela impressão de que os novos cantores e cantoras já surgem imitando fórmulas de outros cantores que conseguiram sucesso justamente por terem sido originais? É só uma impressão pelo fato da mídia não mostrar que existe, sim, cantores criativos, ou  estamos diante de outro fato no qual constata-se que a MPB realmente perdeu seu tino criativo?

Chico Science
CC - Se você se refere a movimentos ou tendências musicais que surgiram posteriormente à Tropicália, eu destacaria o também inovador Mangue Beat. Após os anos 80, marcados em nosso país pela hegemonia do rock nacional, Chico Science, o líder da banda Nação Zumbi, e outros músicos e bandas de Recife começaram a misturar ritmos regionais, como o maracatu, o pastoril, a ciranda e a embolada, com vertentes do pop contemporâneo, como o hip-hop, o funk e o hardcore. Aliás, Science, que inicialmente foi uma espécie de porta-voz desse movimento surgido em Pernambuco, admitiu ter recebido alguma influência dos tropicalistas. Chegou até a gravar com Gilberto Gil.

 Concordo com você, quando aponta essa tendência constante, nas últimas décadas, de jovens cantores e compositores que já surgem reproduzindo fórmulas musicais, ou mesmo estilos e maneirismos de artistas consagrados. Aliás, uma tendência que também pode ser verificada na música pop e no rock das últimas décadas. Ainda assim, eu não diria que a música popular brasileira teria perdido seu impulso criativo. Há muitos compositores, cantores e instrumentistas criativos por aí, tentando encontrar canais para atingir um público mais amplo.

  Não se pode esquecer que o mercado musical mudou bastante a partir da década de 90, quando as gravadoras e rádios passaram a investir quase que exclusivamente em modismos popularescos, como a axé music, o pagode e o sertanejo. Essa estratégia comercial fechou as portas do mercado para os artistas mais originais e consistentes. Não foi por outro motivo que a geração de Lenine, Chico César, Paulinho Moska, Zélia Duncan, Rita Ribeiro e Pedro Luis só conseguiu um espaço no mercado musical depois de muita batalha, todos já com 30 ou mais anos de idade. Hoje há muitos compositores, cantores e instrumentistas, fazendo música de ótima qualidade em várias regiões do país, que a mídia nacional simplesmente desconhece ou não mostra por preconceito. A visão musical de colegas da nossa área é tão restrita, atualmente, que parece se limitar aos artistas que eles ouvem nos bares e palcos alternativos do chamado Baixo Augusta, aqui em São Paulo.

7 - Aliás, por falar em Vanguarda Paulista, sinto que trata-se de um movimento que, apesar de estrito a São Paulo, deveria ser mais abordado e mais contextualizado, pois há muitas peculiaridades na forma como os seus artistas dominavam/ lidavam com a canção, bem como com os arranjos musicais -- e a galera de hoje em dia acaba nunca sabendo que já houve um cenário muito rico em São Paulo no âmbito da MPB. Você, como residente em São Paulo, chegou a ter alguma proximidade com a Vanguarda Paulista como pesquisador, jornalista, fã ou mesmo amizade com artistas? Quais as características e peculiaridades que você presenciou e/ou enxerga nesse movimento?

CC – Na década de 70, ao cursar a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, tive a sorte de ser colega de Arrigo Barnabé, de Luiz Tatit, Helio Ziskind e Pedro Mourão (do grupo Rumo), de Mario Manga e Claus Petersen (do Premeditando o Breque). Mais tarde, ao frequentar o curso de música da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, também tive como colegas integrantes das bandas de Arrigo e Itamar Assumpção, como o Tonho Penhasco e o Bocato. Por essas e outras acompanhei desde o início os shows dessa geração de músicos, muitos deles no lendário Lira Paulistana e no então recém-inaugurado Sesc Pompéia, quando eu ainda nem imaginava que iria me tornar crítico de música.

Alguns desses músicos que citei preferem se referir à chamada Vanguarda Paulista como uma “movimentação”, já que não chegaram a se organizar, propriamente, como um movimento musical. Aliás, o termo Vanguarda Paulista funcionou como um rótulo que identificou na mídia nacional esse coletivo de músicos e bandas, mas nem era apropriado. A rigor, só mesmo o Arrigo Barnabé utilizava elementos e referências da música de vanguarda em suas composições e arranjos. Uma característica que realmente aproximava a música do Arrigo com a música do Rumo, com a do Itamar Assumpção, com a do Premê ou mesmo com a do Língua de Trapo, era a frequente utilização da fala nas canções, em geral com boas doses de humor.  

Arrigo Barnabé & Itamar Assumpção
8 - E a MPB mineira? Também é um tanto rica e peculiar. Mas parece que sua repercussão na mídia se resumiu em Milton Nascimento, enquanto outros nomes do chamado Clube da Esquina e outros cantores mineiros ficaram obscuros. Isso foi algo natural ou houve injustiças quanto ao cenário mineiro?

Nivaldo Ornelas
CC – Sim, a música de Minas Gerais é bastante rica, em vários aspectos, especialmente em termos harmônicos e rítmicos. Eu não diria que apenas a voz privilegiada e as canções de Milton Nascimento repercutiram nacionalmente. Do próprio grupo de artistas conhecido como Clube da Esquina, Lô Borges e Beto Guedes também desfrutaram de grande popularidade, em determinados períodos de suas carreiras. Por outro lado, Toninho Horta, Wagner Tiso e Nivaldo Ornelas, mineiros dessa mesma geração, continuaram produzindo música instrumental de altíssima qualidade, que não deixou de circular pelo resto do país. Aliás, outros grandes instrumentistas mineiros, como os violonistas Juarez Moreira e Celso Moreira, o pianista Celio Balona ou o incrível baterista Neném – concordo com você – mereciam ser mais prestigiados fora de Minas Gerais.

  Na década passada, fui convidado durante nove anos a integrar o júri do Prêmio BDMG de Música Instrumental, em Belo Horizonte. Ali, ao lado do amigo José Domingos Raffaelli, um dos maiores conhecedores de jazz e música instrumental do nosso país, eu pude me aprofundar mais na cena musical mineira. Assim conheci e ouvi instrumentistas e compositores de grande talento, como Flávio Henrique, Chico Amaral, Cleber Alves, Weber Lopes, Enéas Xavier, André “Limão” Queiroz e Jorge Bonfá, entre outros, além de jovens bastante promissores, como Antônio Loureiro, Rafael Martini, Rodrigo Lana, Juliana Perdigão ou Felipe José. Todo ano eu voltava de Belo Horizonte surpreso com a qualidade dos novos músicos que conhecia. No fundo, quem mais perde com o fato de esses músicos ainda serem pouco conhecidos fora de Minas Gerais é o público do resto do país. 

9 - Você mantém um blog – atualizado por notas e resenhas as quais você publica em jornais como Folha de São Paulo e o Valor Econômico, entre outros holofotes -- que se chama Música de Alma Negra. Como bem diz o nome do site, além da MPB e do jazz você também aborda a música cantada afro-brasileira e afro-americana: samba, soul, funk, R'n'B e etc. De onde surgiu essa paixão pela “black music”? Você realiza este trabalho por predileção ou por que sente que no Brasil, terra de aberrações como o tal “funk carioca”, falta às pessoas uma melhor compreensão do espírito e da importância da música negra? O "revival" da soul music, iniciado por cantores e cantoras inglesas como Joss Stone e Amy Winehouse, ainda segue em alta?

Erykah Badu
CC - Minha paixão pela black music, tanto a norte-americana como a produzida no Brasil, vem da minha adolescência. Desde aquela época, jamais deixei de acompanhar as novidades nessa área musical. Aliás, confesso, hoje ainda ouço com o mesmo prazer de antes a soul music, o R&B e o funk de James Brown, Aretha Franklin, Marvin Gaye, Curtis Mayfield, Sly Stone, Sam Cooke, Otis Redding, Earth, Wind & Fire, Isley Brothers, Tim Maia, Banda Black Rio, Cassiano, Hyldon, Carlos Dafé, Sandra de Sá, Claudio Zoli e outros artistas dessa vertente musical. Já o meu interesse pelo rock, que também ocupou grande parte da minha adolescência, diminuiu bastante nas últimas décadas.

  Sem dúvida, o blog Música de Alma Negra reflete minhas afinidades musicais. Nele eu escrevo sobre os gêneros de música que aprecio e acompanho desde a década de 70, incluindo a black music, o jazz, a salsa, o samba, o choro e outras vertentes da música brasileira. Mas também há um aspecto mais amplo, ligado à história da música negra que, apesar de conhecer teoricamente, eu só “visualizei” em 1998, ao cobrir pela primeira vez o New Orleans Jazz & Heritage Festival – o mais original de todos os festivais de música que eu já frequentei. Quando você vê todos aqueles palcos com atrações simultâneas – um para o jazz moderno, outro para o jazz tradicional; um só para o blues, outro para o gospel; um para o funk, para o soul e outras vertentes modernas da black music, outro para a música africana e suas derivações pelas Américas; um para o rock e o pop, outro para o zydeco, o cajun e outras vertentes  regionais da Louisiana – você percebe que tudo aquilo forma uma entidade única. No fundo, esse festival é um grande tributo anual à herança musical da África. Ou, como preferem alguns, um tributo à Diáspora Africana.   

  Mas o que mais me surpreendeu, ao conhecer o festival de New Orleans, foi ver que, diferentemente do que sugerem livros e documentários, todas essas correntes da música negra estão vivas, nessa cidade com uma cena musical tão eclética e profissional. Ali você vê músicos de várias gerações, alguns bem jovens, tocando e cantando gospel, blues rural, blues moderno, rhythm & blues, soul, funk, dixieland, jazz contemporâneo, doo-wop, reggae, salsa, calypso, entre tantos estilos e gêneros musicais de raízes africanas. Ou seja, a música de ascendência negra pode ser muito mais ampla e diversificada do que sugerem as paradas de sucesso, as rádios, a MTV ou mesmo os jornais e revistas.

  É por isso que eu acho o termo "revival" totalmente inapropriado para se referir a essa onda de cantores britânicos de soul. Gosto de Corinne Bailey Rae, de Joss Stone e Amy Winehouse, mas dizer que essas intérpretes reviveram a soul music é quase um insulto a grandes músicos desse gênero que continuam na ativa, como Stevie Wonder, Al Green, Aretha Franklin, Gladys Knight, Booker T, Mavis Staples, Irma Thomas, Aaron Neville, Bettye LaVette, Erykah Badu, Sade, Maxwell, entre muitos outros, que têm mantido essa música viva, nas últimas décadas. Sem esquecer a sensacional Sharon Jones, já veterana, mas só descoberta há pouco pela grande imprensa. Como é que esses cantores britânicos poderiam “reviver” a soul music se ela jamais esteve próxima da morte?

10 - Você já escreveu livros importantes sobre o jazz e a música brasileira: sobre jazz, por exemplo, você escreveu um chamado “O Jazz como espetáculo”. Você tem novos projetos em vista? Se fosse para escrever e publicar um novo ensaio, sobre qual assunto musical, sobre qual época da história da música ou sobre qual artista gostaria de dedicar um livro?

CC - “Jazz como Espetáculo” é uma versão de minha dissertação de mestrado na USP, lançada em 1990 pela Editora Perspectiva. Um ano antes publiquei “Jazz ao Vivo”, que reúne entrevistas, reportagens e críticas de shows e festivais de jazz. Como esse livro já está fora de catálogo há alguns anos, prometi à Perspectiva entregar em breve uma versão atualizada e ampliada para ser lançada, provavelmente, no próximo ano.

Um tema que mereceria um trabalho mais extenso e sobre o qual tenho dado algumas palestras é a música instrumental brasileira. Acho absurdo que essa vertente tão criativa de nossa música, que destaca instrumentistas e compositores cultuados mundialmente – como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Naná Vasconcelos, Moacir Santos, Paulo Moura, Uakti, Pau Brasil, D’Alma, Quarteto Novo, além dessa brilhante geração mais jovem, que inclui André Mehmari, Hamilton de Holanda e Yamandu Costa, entre muitos outros – não tenha recebido ainda do mercado editorial a atenção que merece. Mas aí voltamos ao problema que já abordei anteriormente: se grande parte da imprensa especializada tem esnobado a música instrumental brasileira, por ignorância, preconceito ou falta de formação musical, não me surpreende que as editoras brasileiras não se sintam estimuladas a bancar algum projeto nessa área. 


11 - Enquete:

Três músicos da história do jazz que você admira:
John Coltrane, Charles Mingus e Miles Davis

Três músicos do jazz contemporâneo que você admira:
Brad Mehldau, Jason Moran e Maria Schneider

Dois músicos da música instrumental brasileira, um precursor e outro contemporâneo, que você admira:
Moacir Santos e Hermeto Pascoal

Três artistas da “black music” (nacional e/ou internacional) que você admira:
James Brown, Aretha Franklin e Tim Maia

Dois cantores da história da MPB que você admira:
Wilson Simonal e Gal Costa

Dois cantores da MPB contemporânea que você admira:
Monica Salmaso e Luciana Souza

Duas bandas de rock, uma nacional e outra estrangeira, que você admira:
Mutantes, nas primeiras formações, e Frank Zappa, com qualquer uma de suas bandas.

Cinco álbuns de jazz (independente de época ou estilo) que te fascinam:
“Kind of Blue”, de Miles Davis
“Live at the Village Vanguard”, de John Coltrane
“Changes” (one & two), de Charles Mingus
“The Newest Sound Around”, de Jeanne Lee e Ran Blake
“Blue Skies”, de Cassandra Wilson

Cinco álbuns de música brasileira (MPB e/ou instrumental) que te fascinam:
“Coisas”, de Moacir Santos
“Zabumbê-bum-á”, de Hermeto Pascoal
“Dança das Cabeças”, de Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos
“Tropicália ou Panis et Circensis”, de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e outros
“Elis & Tom”, de Elis Regina e Tom Jobim

A segunda grande paixão depois da música:
Cinema

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